Porquê falar de transições escolares se elas são mudanças tão normativas que fazem parte da nossa vida? Ou da vida das nossas crianças? E, no passado, das crianças que nós adultos já fomos?
De facto, importa começar por dizer que não somos todos iguais e por isso também lidamos com as mudanças, em particular com as transições escolares, de forma diferente consoante o ritmo, a personalidade, as características e o contexto a que cada um de nós estará sujeito.
E, neste sentido, é muito comum ouvirmos os pais/cuidadores a terem diferentes opiniões, tais como “o meu filho adaptou-se lindamente à nova escola”; “foi com amigos que já conhecia”; “com a minha filha não está a correr nada bem, tem chorado todos os dias”; “agora já me diz que não gosta da escola”. Adicionalmente, também é frequente ouvirmos de adultos (não necessariamente apenas os pais), algo do género “tem de se adaptar, faz parte”; “as mudanças fazem parte da vida, custe o que custar, vai ter se habituar”. E é aqui que eu pergunto “Está certo que é importante que se adaptem, mas a que custo?”.
Por isto, considero importante falar neste assunto, tão normativo e rotineiro, mas que pode ter um impacto bastante significativo no desenvolvimento infantil das nossas crianças e jovens e nos adultos em que se vão tornar.
Embora possam acontecer mudanças ou transições escolares nos vários anos de escolaridade, aquelas que são mais estudadas e que, em Portugal, podem demonstrar um impacto mais significativo são: a transição para o 1º ciclo (entrada no 1º ano de escolaridade), transição para o 2º ciclo (entrada no 5º ano de escolaridade) e a transição para o ensino secundário – talvez porque na maioria dos casos, estas são transições que implicam uma mudança de escola, ou de espaço físico.
Mas será que é só por isso que têm um impacto significativo? Claro que não, não se deixem enganar! Então comecemos pelo mais óbvio. O que muda com estas transições? Em todas elas, irá certamente existir um aumento das exigências académicas, que é normal e esperado que assim seja, mas para além disso também existirá uma aumento das comparações sociais e uma maior exposição a professores e pares desconhecidos/não familiares.
Normalmente, os novos ambientes educativos são também maiores, com espaços mais diversos, menos apoiantes e também mais competitivos e muitas vezes acompanhadas de exigências mais individuais, como por exemplo, uma maior responsabilização e uma maior autonomia e independência.
Todas estas mudanças e exigências em simultâneo será que podem ter algum impacto na saúde mental das nossas crianças e jovens? A resposta é sim! Existem estudos, lá fora e dentro do nosso Portugal, que comprovam isso mesmo. Nomeadamente no que se refere à autoestima.
Mas antes, vejamos o seguinte… baixos níveis de autoestima estão associados a depressão, suicídio, deliquência, consumo de substâncias e baixo rendimento académico; enquanto que níveis de autoestima mais elevados estão associados a resultados favoráveis em todas as dimensões de desenvolvimento e adaptação e podem funcionar como mediadores de outros aspetos do desenvolvimento do sistema do “self”. A autoestima envolve sentimentos de valor próprio global, felicidade e satisfação geral e é extremamente importante sabermos cuidar dela, percebendo o que pode impactar de forma negativa na autoestima de cada um nós, de que forma a conseguimos avaliar e o que poderemos fazer para a “fortalecer”.
De facto, são vários os estudos que nos mostram que após uma transição escolar, os níveis de autoestima, e também do autoconceito social e académico, podem diminuir. Mesmo no nosso território e especificamente quanto à transição para o 2º ciclo, existem estudos que nos mostram que após esse declínio na autoestima, esta pode levar algum tempo a recuperar, ou seja, que se mantém em níveis mais baixos durante o ano pós-transição.
Em resumo, podemos concluir que as transições escolares podem de facto ser acontecimentos bastante stressantes e impactar não só na autoestima mas também no bem estar e na capacidade de adaptação das crianças e jovens aos níveis académico, social, emocional e psicológico.
Tendo em conta tudo isto, o que podemos fazer para apoiar antes, durante e após as transições escolares? Ou se quiserem, para prevenir este declínio da autoestima nesta fase que não pode ser evitada? E a minha resposta/sugestão é dirigida a todos os adultos que intervém, pais/cuidadores, educadores e professores, direções de escolas, funcionários e auxiliares de ação educativa. Embora não sejamos todos responsáveis por tudo, todos temos um papel e uma função importante de apoio e suporte. Eis então algumas sugestões que proponho:
- Ajudar a criança/jovem a conhecer previamente (se possível no ano anterior) a realidade do novo ambiente escolar e o contexto da transição;
- Possibilitar uma transição que seja um processo gradual em que a comunidade escolar esteja desperta para isso mesmo, de forma a envolver a criança/jovem num clima escolar seguro e apoiante;
- Facilitar a transição com os pares conhecidos/familiares, que já se acompanhavam em anos anteriores, aumentando assim o suporte social;
- Ajudar a criança/jovem a desenvolver e encontrar as suas estratégias de coping individuais;
- Existir apoio e suporte parental, (eu diria sempre) mas especialmente no ano pós transição em tudo aquilo que serão as novas exigências a nível académico, emocional, social e psicológico;
- Existir uma preocupação constante com o “sentir” da criança/jovem, ajudando-a a identificar, expressar e reconhecer as suas emoções, sejam elas agradáveis ou menos agradáveis, percebendo assim a sua função, principalmente quando surgem nestes processos de transições que podem ser mais stressantes. Finalizo com um apelo aos pais/cuidadores e às escolas no sentido de não se desvalorizar eventuais sintomas que possam surgir associados a estes processos de transição e que podem ter um impacto significativo não só na autoestima mas no bem estar e saúde mental das crianças e jovens. Neste sentido, procurar ajuda pode ser um passo importante!
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