A brincar o mundo pula e avança – Uma visão da Pedopsiquiatria

“Aquilo que há em nós de criativo é infantil, ou vem da infância, é aquilo que fica vivo da infância, e a infância, por definição, é criativa, porque cria a própria pessoa.” João dos Santos

As problemáticas sociais da atualidade tornam cada vez mais premente a necessidade de repensarmos o Brincar e o seu valor intrínseco no mundo da criança. O brincar está presente no humor e na imprevisibilidade do adulto, bem como nas memórias do jogo da macaca, jogo do anel e da cabra cega.

Num espaço inesperado e despido de materiais estruturados, a criança de outrora tinha o privilégio e a necessidade de ser criativo, motivado pelo prazer, tornando progressivamente o desconhecido em conhecido. No entanto, e nos dias de hoje, motivar as crianças para o brincar espontâneo, que estimule o desenvolvimento psiconeurológico, através da imaginação e da criatividade, não está assim tão acessível.

Atualmente tem-se verificado uma crescente atenção dirigida à escolarização precoce e à apreensão de conteúdos da leitura e da escrita com recurso a metodologias clássicas, tais como, a repetição e a cópia. As crianças brincam menos e os momentos de lazer são habitualmente sobrecarregados com atividades extracurriculares. Assiste-se, igualmente, a uma mudança do tipo de brinquedo, cada vez mais digital e com capacidade de estimular a área cerebral responsável por mediar a sensação de recompensa o que poderá promover características de dependência em relação ao brinquedo utilizado.

O brincar de faz de conta, tão relevante para a organização de experiências adquiridas direta ou indiretamente, vai sendo substituído por brinquedos de satisfação imediata com pouco espaço para a imaginação. A criança, com meses de idade, sente a satisfação com o esconde-esconde que a ajuda a preparar o terreno para perceber que a mãe é diferente de si, progressivamente, no pré-escolar, o jogo do faz de conta e da imitação vai dotando a criança de riqueza simbólica e de construção do pensamento.

Brincadeiras que provocam alterações da velocidade, da intensidade e da altura, tais como, jogar à apanhada ou ao jogo da cadeira, ou que estimulem simultaneamente o sistema visual e motor utilizando objetos que podem ser perseguidos, movidos ao longo da sala, escondidos em sítios difíceis de alcançar, promovem o desenvolvimento sensorioperceptivo, relacional e psicológico da criança.

O brincar é a primeira forma de expressão das crianças, palco dos seus mundos internos e local onde esta aprende a viver os significados e valores dos adultos. É pela forma como percecionamos o mundo em crianças que assimilamos experiências futuras e que as integramos como boas, que queremos mais, ou más, que evitamos ou reagimos.

Quanto maior for a capacidade da criança imaginar e pensar, maior é a possibilidade de tolerar a frustração através da palavra e menor o risco de passagens ao ato e, como consequência, menor é a patologia do agir (alterações de comportamento).

Através das experiências lúdicas a criança desenvolve um funcionamento adaptativo, de auto-regulação das emoções, de persistência, de estratégias de resolução de problemas e de desenvolvimento da linguagem. Adicionalmente, as crianças sentem-se no controlo e mais seguras.
Por último, no brincar desenvolvem-se vínculos entre pais e crianças, criando relações de proximidade e segurança, que estruturam a criança, ajudando-a a desenvolver-se de forma saudável, adaptada e segura.

Bibliografia

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